A multa isolada aplicada em casos de compensação não homologada pela autoridade fiscal, finalmente, teve declarada a sua inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal. Nesta linha, o presente artigo procura demonstrar os contornos desta decisão ao cenário nacional e à proteção dos direitos dos contribuintes, visando um Sistema Tributário mais justo.
No sistema tributário nacional há previsão de penalidades nas hipóteses de restituição e compensação indevida. Tais penalidades já geraram e ainda geram discussões judiciais e administrativas, posto que a sua aplicação demasiada pode causar o efeito confiscatório do tributo e inibir que o contribuinte busque a restituição de tributos recolhidos indevidamente.
Deste modo, dentre as penalidades aplicadas pelo Fisco, destaca-se a multa isolada, que consiste numa penalidade aplicada por si só, autonomamente, em razão de descumprimento de obrigação acessória ou de atos ilícitos tributários, independentemente de obrigação tributária principal. Nesta senda, o ordenamento pátrio prevê a aplicação desta penalidade quando o contribuinte tem a sua compensação de crédito fiscal não homologada. Isto é, na hipótese de o contribuinte intentar a compensação de um crédito em que acredita ser devido, o Fisco – após a sua análise – aplica uma multa por seu simples indeferimento.
A mencionada penalidade, prevista nos §§ 15 e 17, do art. 74 da Lei federal 9.430/1996, incluídos pela Lei federal 12.249/2010, é aplicada independentemente de dolo ou intenção de fraude/sonegação do contribuinte, bem como é fixada num percentual de 50% (cinquenta por cento). Por tais motivos, por muito tempo os contribuintes vêm criticando a sua aplicação, por considerar desproporcional e confiscatória, prejudicando o seu direito de petição e requerimento ao Fisco nos casos de compensação de créditos.
Em vista disso, diversas ações judiciais foram ajuizadas até que o Supremo Tribunal Federal, através do Recurso Extraordinário nº 796939, fixou o tema de Repercussão Geral Nº 736, discutindo a constitucionalidade dos §§ 15 e 17, do art. 74 da Lei federal 9.430/1996, incluídos pela Lei federal 12.249/2010.
No julgamento do referido Recurso, os Ministros concluíram, em 20 de março de 2023, que, de fato, a multa isolada nos casos de mera negativa de homologação de compensação tributária pela autoridade fiscal é considerada inconstitucional, uma vez que não consiste em ato ilícito com aptidão para propiciar automática penalidade pecuniária.
A decisão pelo Supremo Tribunal Federal representou um marco na temática, possibilitando ao contribuinte solicitar compensação ou ressarcimentos de seus créditos sem a iminência de aplicação de penalidade pecuniária. O direito à vedação do confisco e o direito de petição finalmente será assegurado ao contribuinte nestes casos.
Nesta linha, o Judiciário já está proferindo decisões de acordo com o entendimento do Supremo Tribunal Federal. Por exemplo, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, manifestado no julgamento da Arguição de Inconstitucionalidade nº 5007416-62.2012.404.0000, concluiu que a aplicação de multa isolada em casos de indeferimento de compensação viola o direito fundamental de petição, na medida em que inibe os contribuintes de buscar perante o Fisco a restituição de valores indevidamente recolhidos.
De forma semelhante, a 9ª Vara Cível Federal de São Paulo concedeu liminar, no processo judicial nº 5008885-23.2023.4.03.6100, em face da aplicação da referida pena pecuniária. Para o Juízo, quando ausente eventual indício de má-fé quanto à compensação de créditos tributários federais por iniciativa da demandante, não pode esta ser penalizada pelo mero indeferimento de sua declaração, ante a total desproporcionalidade da medida, com exigência de multa de 50% (cinquenta por cento) do valor do débito, eis que tal medida é cerceadora do exercício de direito previsto na própria Lei nº 9.430/1996.
Além do Judiciário, verifica-se que no âmbito administrativo fiscal também já está sendo seguido o entendimento do Supremo Tribunal Federal, no mencionado Tema de Repercussão Geral nº 736. Assim, por unanimidade, a 1ª Turma, da 2ª Câmara da 1ª Seção do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), decidiu pela improcedência da multa isolada de 50% (cinquenta por cento) sobre o valor do crédito tributário, objeto de compensação não homologada. No caso, prevaleceu o entendimento do relator, em que explica ser a hipótese prevista no art. 62, do Regimento Interno do CARF, que trata da aplicação das decisões do STF pelo tribunal administrativo.
Portanto, o julgamento do STF sobre a inconstitucionalidade da multa isolada, aplicada nos casos de compensação não homologada pelo fisco, revela um novo entendimento a ser seguido pelos tribunais, como também pelo âmbito administrativo, incluindo a Receita Federal do Brasil, posto que a aplicação desta penalidade viola o direito fundamental de petição do contribuinte aos poderes públicos, inibindo os contribuintes de buscar perante o Fisco a restituição de valores indevidamente recolhidos. Ademais, a inconstitucionalidade desta penalidade assegurará ao contribuinte direito ao contraditório e à ampla defesa e aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, como também o direito à vedação do confisco.
Por tudo isso, este artigo demonstrou que esta excessiva penalidade aplicada ao contribuinte desrespeita os seus direitos e contradizem o disposto na Constituição Federal. Não se nega que há ainda um longo caminho na busca pela proteção dos direitos do contribuinte, contudo esta decisão demonstra que este caminho está sendo trilhado, não podendo curvar-nos às ilegalidades cometidas no âmbito fiscal.
Autora Priscila Anselmini, Doutora e Mestre em Direito Tributário, Advogada Tributarista no Santos & Klauck Sociedade de Advogados.