Recentemente, os conselheiros voltaram a dissentir quanto a possibilidade de aplicação concomitante das multas de ofício e isolada pelo descumprimento de obrigações tributárias. A hesitação do Conselho une-se aos pesados tributos e aos complexos custos de conformidade para tornar a missão do empreendedor brasileiro ainda mais desafiadora.
A jurisprudência do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais -CARF, uniformiza o entendimento sobre temas controversos e, com isso, confere previsibilidade às relações jurídicas no âmbito fiscal. No entanto, em que pese a sua reconhecida expertise, é notória a divergência interna do órgão referente a uma questão de grande repercussão para o contribuinte: a gestão das sanções administrativas.
Recentemente, os conselheiros do CARF voltaram a dissentir quanto a possibilidade de aplicação concomitante das multas de ofício e isolada pelo descumprimento de obrigações tributárias. A hesitação do Conselho une-se aos pesados tributos e aos complexos custos de conformidade para tornar a missão do empreendedor brasileiro ainda mais desafiadora.
Em síntese, as multas de ofício incidem sobre o não pagamento, ou a não declaração de tributos devidos. Essa modalidade de sanção admite gradações bastante agressivas, já que podem ser duplicadas pela fiscalização em caráter de cognição sumário, os quais são, muitas vezes, apoiados em juízos puramente subjetivos.
A multa isolada possui um critério material de incidência bem mais específico. Ela consiste em uma penalidade aplicada por si só, autonomamente, em razão de descumprimento de obrigação acessória ou de atos ilícitos tributários.
A aplicação concomitante das multas tem ocorrido nas obrigações relacionadas ao Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), tributos que incidem sobre o lucro das empresas. As bases de cálculo desses dois tributos são, regra geral, determinadas em períodos de apuração trimestrais ou, alternativamente, por opção do contribuinte, de forma anual.
Nessa última hipótese, se a apuração for realizada ao fim do ano fiscal, surge uma obrigação acessória, a ser cumprida ao longo do ano, consistente no recolhimento de antecipações mensais, que por sua vez são obtidas através da aplicação de percentuais específicos sobre a receita bruta da empresa.
A partir da sistemática de arrecadação antecipada, surge uma questão de ordem técnica que divide o CARF há muito tempo: a multa isolada aplicada pela falta de recolhimento das estimativas mensais do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) pode ser aplicada cumulativamente com a multa de ofício pelo não pagamentos dos mesmos tributos no ajuste anual?
Em decisão do dia 16 de junho, nos autos do Processo Administrativo n. 12571.720074/2016-46, a 1ª Turma do CARF, em um desempate pró-contribuinte, afastou a concomitância entre as multas isoladas e de ofício. Na ocasião, predominou o entendimento de que a multa de ofício, penalidade mais gravosa, deveria absorver a isolada, considerada mais branda. Em realidade, os julgadores não fizeram mais do que aplicar a disciplina da Súmula n. 105 que estabelece, em síntese, a multa isolada por falta de recolhimento de estimativas não pode ser exigida ao mesmo tempo da multa de ofício por falta de pagamento de IRPJ e CSLL apurado no ajuste anual.
Desse modo, evita-se a dupla penalização pelo mesmo fato tributário. Os julgadores que adotam essa tese consideram descabido saturar o contribuinte com sanções cumuladas, pois, ao fim do ano fiscal, os tributos sob escrutínio da Receita Federal, seja através das antecipações ou do reajuste, são os mesmos IRPJ e CSLL.
Contudo, dias após essa importante virada pró-contribuinte, a 2ª Turma do CARF, nos autos do processo administrativo n. 10935.724837/2013-83, em entendimento frontalmente oposto, voltou a permitir a aplicação conjunta das duas sanções sob o argumento de serem as multas de ofício e isoladas, respostas a fatos distintos. O julgador que se inclina por esse raciocínio tende a se apegar a literalidade do art. 44 da Lei n. 9.430/96 e validar a sobreposição de penalidades.
Quando um órgão especializado como o CARF não consegue superar o dissídio jurisprudencial sobre um tema de fundamental importância como é o das sanções, seja por questões de exegese, seja por franca discordância quanto as consequências impostas ao contribuinte, isso significa que estamos diante um sistema que requer atualizações.
O valor maior de um ordenamento jurídico é a segurança que ele transmite para as relações humanas. O Direito é, antes de tudo, sobre previsibilidade.
É preciso colocar o subsistema sancionador administrativo na esfera de influência da Constituição Federal. Com efeito, foi o que Supremo Tribunal Federal (STF) fez recentemente, no julgamento do Tema 736, ao declarar a inconstitucionalidade de uma penalidade isolada que recaía automaticamente sobre compensações mão homologadas. O respeito ao direito fundamental de petição aos órgãos públicos foi determinante para orientar a nova interpretação.
Nada impede que a mesma via seja tomada para equalizar outras questões, como a dupla penalização pelo mesmo fato tributário, a desproporcionalidade das alíquotas sancionatórias, bem como as suas consequências, que beiram o confisco em alguns casos. Em suma, fazer valer a força normativa da Lei Maior e assim elevar a relação entre o Fisco e o contribuinte à dimensão de um verdadeiro Estado regulado pelo Direito.